terça-feira, 25 de junho de 2013

Feminismo radical x transfobia: uma visão pessoal de uma quase radfem contra a transfobia

Lembram-se de que no primeiro post eu disse que falo como autônoma, e não por nenhum coletivo ou partido? Bom, é especialmente importante que vocês mantenham isso em mente nesse post.

Feminismo radical não é só um adjetivo: é uma corrente feminista com uma análise mais profunda do machismo. Nele, a construção de gêneros existe exatamente na subordinação do sexo feminino (mulheres que engravidam, e a biologia delas como fator importante nesse processo) abaixo do sexo masculino. Gêneros, portanto, não seriam apenas artificiais, como seriam necessariamente um fenômeno pautado na misoginia.

O feminismo radical defende coisas que acho interessantíssimas, como lesbiandade como escolha política, separatismo, é anti-pornografia e anti-prostituição, é ligado a questões de cor, enfim.

No entanto, existe transfobia dentro do feminismo radical. De inúmeras formas.

Feministas radicais acreditam que o processo de socialização (se ao verem seus genitais no nascimento ou gravidez disseram "É menino/menina", e TUDO que decorre a partir daí) importa.

Nisso concordo.

Mas não acho que, por uma mulher trans* ter experiências distintas da minha de mulher cis, ela não é mulher. Ou porque essa mulher trans* tem um pênis.

E aí divirjo de muitas feministas radicais.

Cis, aliás, é um termo bastante complicado: A princípio, cis significa uma pessoa que não é trans*. Nesse caso, é um termo que acho que faz sentido, por ser didático e muito melhor do que dizer "Mulher BIOLÓGICA" ou algo do tipo. Por outro lado, existem ativistas que usam cis como "alguém cujo sexo está alinhado com o gênero com a pessoa se identifica". Novamente, aí divirjo. Nunca me disseram que eu tinha opção além de ser mulher, porque nasci com vulva. E sabe, no fundo, eu não tenho; pessoas trans* com intensa disforia sabem desde muito novxs, geralmente, que estão sendo criadxs como se fossem de um gênero ao qual não se sentem pertencer. E eu não nego de jeito algum essa sensação de pertencimento ou não pertencimento. Contudo, eu sou mulher não só porque me identifico com algo; é, muito antes, uma questão de ACEITAR um rótulo, por falta de escolha. Não adianta eu me identificar como "sem gênero", porque detesto as funções sociais que se espera das mulheres, se eu ainda serei lida como mulher. Ter uma vagina é ser considerada estuprável. E, se você é percebida como mulher  trans*, você é simultaneamente negada como mulher e considerada estuprável.

O asterisco no termo trans* é outro ponto de atrito, às vezes dentro do próprio transfeminismo. Transgênero é, a princípio, um termo para pessoas que foram consideradas meninas, mas se consideram meninos, ou o contrário. O asterisco é utilizado para transformar trans num "termo guarda-chuva" que abarcaria qualquer pessoa cuja identidade de gênero não se enquadre no binário.

"Identidade de gênero" é outra ideia bastante questionada dentro do feminismo radical.

Depois desse panorama geral das tretas, minha visão: já ouvi muito absurdo tanto no feminismo radical quanto no transfeminismo. Já vi feministas radicais chamarem mulheres trans* de homem de saia ou de estuprador disfarçado, algo muito violento e transfóbico e já vi transfeministas dizerem para lésbicas cis que não cogitar uma mulher trans* como parceira sexual e amorosa é transfobia, o que acho pavoroso. Acho esses discursos perigosíssimos. E fico muito dividida entre isso. Meu coração é feminista radical, mas não posso tolerar transfobia. Porém, não posso tolerar misoginia ou lesbofobia também.

Precisei escrever esse post e ele não tem conclusão, porque ainda não sei como lidar com isso. O que sei por ora é que é mais importante seguir o que acho justo do que tentar ter uma carteirinha de "boa aliada" dada por qualquer um dos lados.

4 comentários:

  1. "Meu coração é feminista radical, mas não posso tolerar transfobia. Porém, não posso tolerar misoginia ou lesbofobia também". Tamo junta! <3

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  2. E uma terceira aqui pra tar junta hahahaha. Tbm sou feminista radical mas ainda considero muitas questões muito confusas, como essas q vc mencionou no post. Mas é isso q vc disse no final - prefiro tentar seguir oq acho justo, o que faz sentido pra mim, do q me preocupar com carteirinha ou patota. E às vezes a gente pode errar, mudar de ideia, aprender e desaprender... Fazer oq. Só quero que o diálogo entre todos possa ser humano.

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  3. Oi! Eu repostei esse texto no meu blog e coloquei a fonte do mesmo, espero que não se importe.

    Eu também me identifico ainda como uma quase radfem (por concordar com vários aspectos do mesmo, e ser grata a as primeiras rad por terem feito tantos avanços por mim). Apesar de isso soar meio… ridículo (?) pra mim. Parece que estou em cima do muro ou com medo de me ~~assumir~~. O problema de me considerar uma quase é por essas divergências. Não sei se seria certo me considerar radfem visto que não concordo 100% com tudo o que ele aborde. E se for pra ser radfem, acho que deve-se concordar com tudo (posso mudar de idéia também sobre isso…). Concordo com propostas libfem e rad, então sou “apenas” feminista. Sem o rad nem o lib antes.

    É complicado... rs

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  4. Eu estava neste mesmo patamar de vcs, extremamente simpática ao feminismo radical e assistindo meio que de camarote a toda essa polêmica.
    Só que a coisa tomou ares de perseguiçao pra mim.
    Concordo com vc sobre a palavra cis, mas não consigo aceitar essa história de que tenho privilégios cis (sic) no patriarcado por ter nascido mulher e me causa muita estranheza que o fato de ter nascido com vulva, vagina, ovários e útero seja considerado discriminador e opressor em relação @s trans, como já vi pessoas escrevendo e dizendo.
    Vejo que muitas feministas rejeitam o feminismo radical pela intensa campanha que foi feita desde sempre e agora mais ainda por causa desse imbroglio todo.
    Minhas dúvidas são as seguintes: eu experenciei o ser mulher desde o momento em que nasci e tenho experenciado isso ao longo da minha vida. Não foi opção. É assim que foi. E foi por causa do meu corpo. A minha suposta inferioridade como ser humano foi anexada á minha pessoa desde o momento em que nasci. Uma pessoa trans que quer construir sua identidade através do seu corpo, mas teve outras experiencias que não as minhas pois ser mulher não foi opcional pra mim e nunca senti isso em mim,vai ter que fazê-lo fisicamente com fármacos, cirurgias e outros procedimentos, até que sua aparencia seja conforme o que sente; então, para mim, essa pessoa estaria sendo um determinado sexo, não é. Se a pessoa pára com os medicamentos, principalmente, ela não mais estará sendo fisicamente do sexo que escolheu. Deixará de ser. E aí, como fica? Pra mim, toda essa confusão só existe, porque existe identidade de genero e os trans estão apegados a todos os estereótipos de gênero que as feministas sempre combateram e lutam para se conformar a eles.
    El@s tem todo o direito de existir, mas por que isso tem que ser feito a partir do fato da desconstrução de quem eu sou, de quem as mulheres nascidas com vulva são e de todas as experiencias que o nascer mulher traz?
    A Oprah fez há muito temo atrás um programa especial só sobre esse assunto. E um@ d@s entrevistad@s era um rapaz que se transformou em mulher já maior de idade. E ele afirmou, que agradecia muito o fato de ter sido criado como menino porque isso lhe proporcionou experiências que são negadas às meninas, em suas palavras: _ "as meninas são muito reprimidas".
    É óbvio que por mais que a pessoa se sinta pertencendo a outro sexo, as primeiras experiencias vividas no seu sexo de nascimento, serão marcantes na construção dessa pessoa. E eu não acho justo que mulheres tenham que renunciar a isso, para que uma pessoa nascida homem, fique confortável com sua 'opção' ou sua necessidade de ser de outro sexo.
    E eu pensava tudo isso, mas guardava pra mim porque não queria ofender suscetibilidades e nem ninguem.
    Soube que aconteceu recentemente uma confusao numa rede social onde uma transgenera ameaçou uma menina de 12 anos de estupro. Parece que a garota postou algo considerado transfóbico e foi violentamente atacada por ativistas trans e mulheres foram defender a menina quanto ao absurdo de se ameaçar uma criança de 12 anos com estupro. Como pode ser admissível combater preconceito com ameaça de estupro de vulnerável e pedofilia? Parece que muita misoginia rolou, e coisas do tipo "mulheres bebam suas menstruações e calem-se" e "mulheres trans são melhores que mulheres" foram ditas.
    Eu não admito misoginia. Não passará. E se pra isso tiver que escolher um lado... Já está.

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